RICARDO BONALUME NETO
da Folha de S.Paulo
Mesmo separado do homem por 35 milhões de anos de evolução biológica, o macaco-prego demonstrou em experimentos na Itália possuir uma capacidade demasiado humana: o bicho entendeu o valor simbólico do "dinheiro". Foi a primeira evidência clara de que macacos também conseguem raciocinar com símbolos.
A equipe de cinco pesquisadores da Itália e dos EUA testou cinco desses pequenos macacos brasileiros com opções de comida e de objetos usados para simbolizá-la, que serviam como uma espécie de "dinheiro" que os animais podiam trocar por um lanche.
O ser humano já foi definido como a "espécie simbólica", dizem os autores do estudo, liderado por Elisa Addessi e Elisabetta Visalberghi, do Instituto de Ciências e Tecnologias Cognitivas, de Roma.
A compreensão de símbolos "transformou drasticamente nossos ancestrais hominídeos ao longo da evolução", escreveram os cientistas em artigo na revista "PLoS One" (www.plosone.org). A capacidade culminou numa linguagem complexa que auxilia acumulação e transmissão de cultura entre gerações.
O aprendizado de símbolos já foi observado antes em experimentos com chimpanzés, "parentes" mais próximos do ser humano. Mas que isso fosse possível com animais bem mais distantes evolutivamente, como o macaco-prego (nome científico Cebus apella), foi a grande surpresa agora.
Cinco macacos foram testados em gaiolas nas quais tinham a possibilidade de puxar uma entre duas gavetas com comida ou com o "dinheiro" --objetos não-comestíveis, como fichas de pôquer, que as representassem.
Os macacos já tinham previamente aprendido a trocar o "dinheiro" por comida; agora o objetivo era testar se isso derivava de um mero condicionamento ou se de fato raciocinavam usando o objeto como símbolo da comida.
Primeiro, os pesquisadores testaram suas preferências entre três tipos de alimentos, ordenados como "A", "B" e "C".
A idéia era checar um importante traço do processo de decisão, a chamada "transitividade": se prefiro comer "A" a comer "B", e prefiro "B" a "C", certamente vou preferir "A" em relação a "C". Depois, os macacos eram testados com quantidades diferentes tanto de comida quanto de objetos.
Os resultados mostraram que os macacos-pregos de fato se comportavam de acordo com a transitividade. Fosse com a comida, fosse com o "dinheiro", eles preferiam "A" a "B", "B" a "C" e "A" a "C".
Simbólico e concreto
"É um resultado muito interessante", afirma o pesquisador brasileiro Eduardo Ottoni, do Instituto de Psicologia da USP, comentando o estudo. Ottoni colabora com os italianos em pesquisas de campo com macacos-pregos no Piauí.
"Ainda que com algum viés ou dificuldade, os macacos conseguiram lidar com o problema simbólico de maneira comparável à maneira com que lidaram com o problema concreto --o ranking qualitativo de preferências e a transitividade se mantém", diz Ottoni.
Ou, nas palavras dos autores, "no geral, os resultados sugerem que os macacos-pregos usam mecanismos cognitivos similares quando avaliam opções em ambos os contextos, real e simbólico".
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