quinta-feira, 2 de abril de 2009

O perigo do crescimento eterno

Com o lançamento de "Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem", Hugo Penteado deu à discussão ambiental no Brasil um novo patamar ao basear toda sua argumentação na crítica do modelo de desenvolvimento dos grandes países: "Não há crescimento econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo".

Com o lançamento de "Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem", Hugo Penteado deu à discussão ambiental no Brasil um novo patamar ao basear toda sua argumentação não nas costumeiras bandeiras desfraldadas pelos verdes, mas sim ao dirigir sua crítica ao modelo de desenvolvimento dos grandes países: "Não há crescimento econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo".

O autor, economista-chefe do ABN AMRO Real, afirma que o grande problema se encontra na obsessão do sistema em buscar crescer sem parar - mesmo que o combustível venha de fontes finitas de abastecimento, como a água. Ele alerta: "O risco econômico está na necessidade de crescer quantitativamente a qualquer custo para garantir a saúde financeira de três sistemas principais: o mercado financeiro, oprevidenciário e o fiscal. Dado que o crescimento econômico é impossível do ponto de vista do espaço físico e ambiental, esses sistemas estão fadados à falência. O que vamos ver nos próximos anos é uma enorme crise econômica que pode acontecer muito antes da crise ecológica".

Desde o lançamento do livro, Penteado tem dado palestras em todo o País, aceitando convites vindos de entidades de classe e universidades. A seguir os principais trechos de sua entrevista exclusiva.

Gazeta Mercantil - Qual a explicação do surgimento da Ecoeconomia ou Economia Ecológica?
Hugo Penteado - Ao contrário do que muitos pensam, os principais motivos de ela ter surgido não foi o buraco da camada de Ozônio e sim os fracassos nas áreas social e ambiental, apesar da enorme expansão econômica e do desenvolvimento dos últimos anos. Hoje, os níveis de uso dos recursos finitos da Terra são alarmantes. Recursos finitos leiam-se recursos naturais como água e solo ou o equilíbrio climático-ecológico entre as espécies vivas, sem o qual não sobreviveremos na Terra. Lester Brown(*) batizou esse fenômeno de aceleração histórica: em um ano somos capazes de produzir mais bens e serviços que desde o início da humanidade até a Segunda Guerra Mundial.

O Clube de Roma já alertava para esse fenômeno: o sistema econômico está sendo submetido a um crescimento exponencial. Alguém ainda vai ganhar um Prêmio Nobel ao provar que o território americano tem um tamanho constante de 9,3 milhões de km², sobre o qual é impossível adicionar um fluxo de PIB de milhões de carros, casas e coisas de forma crescente.

Gazeta Mercantil - O crescimento é impossível por causa do tamanho do território?
Hugo Penteado - A escola Neoclássica resolveu o problema do crescimento infinito pelos ganhos de eficiência e da substituição infinita dos materiais da natureza pelo capital, mas Nicholas Georgescu-Roegen avisa que não há outros fatores materiais que não os da natureza. Além dessa enorme crítica, a escola Neoclássica nunca resolveu o problema do espaço físico finito em superfície. Isso mostra um profundo desconhecimento da Física. Mas não importa. Para se ter uma idéia, se os Estados Unidos crescerem o que Wall Street demanda que ele cresça, em 10 anos ele irá adicionar 9 economias iguais ao Brasil de hoje e a distância entre os ricos e pobres será maior do que nunca. Crescer 9 Brasis num território constante de 9,3 milhões de km² é impossível.

Por isso, estamos vivendo uma crise de crescimento nos países ricos, com a qual todos irão sofrer. Além desse crescimento não gerar empregos compatíveis com o crescimento populacional absoluto, ele não gera empregos permanentes nem fluxos permanentes. Esse erro teórico de ignorar o espaço físico finito e manter um crescimento suicida colocou as espécies animais e vegetais desse planeta na maior rota de extinção em 65 milhões de anos, de forma totalmente antropogênica.

Stephen Jay Gould dizia que não se trata de um processo de extinção natural de milhões de anos e sim de uma larga destruição de habitats e de alterações no equilíbrio ecológico, além da caça desenfreada. Hoje é aterrador perceber o que a espécie humana está fazendo contra seus pares e essa é a maior prova que não há ambiente para essa obsessão maníaca.

Gazeta Mercantil - A extinção da biodiversidade na Terra é um problema econômico?
Hugo Penteado - Sim, está ligado ao nosso sistema econômico, que pretende ampliar suas estruturas exponencialmente dentro de um espaço finito como a Terra. O ser humano aparentemente menospreza todas as formas de vida que não o seu próprio umbigo. Nós não nos vemos mais como uma espécie animal imortal e sim como indivíduos. Foi com essa visão individualista que Keynes proferiu a sua famosa frase: "No longo prazo estaremos todos mortos". Mas como uma espécie animal jamais estará morta, o que vamos deixar então para as gerações futuras?

Ora, o crescimento econômico é um crime num espaço finito cujo equilíbrio ecológico garante que a energia solar faça nossos corações baterem e garante que o oxigênio seja produzido nos mares e oceanos para todos respirarem. Veja o que está acontecendo nos oceanos: 90% das populações dos grandes predadores foram extintas; os corais, lares de grande parte das espécies oceânicas, estão agonizando; as costas dos mares onde vivem e se reproduzem peixes estão devastadas; 75% dos rios foram alterados; os manguezais destruídos a uma alta velocidade.

Não há crescimento econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo. Fala-se da destruição da Amazônia, mas ninguém comenta que 99% das florestas dos Estados Unidos e da Europa foram derrubadas e que para atender à demanda desses países ricos, 75% das florestas tropicais já se foram. Apesar disso, antes do perigo ecológico, há o perigo econômico.

Gazeta Mercantil - Como assim? Essa não é uma preocupação meramente ecológica?
Hugo Penteado - De jeito nenhum. É impossível separar a economia da ecologia e isso só foi possível através de uma série de mitos e esses mitos impregnaram fortemente as teorias econômicas que influenciam as decisões dos governos até hoje. O risco econômico está na necessidade de crescer quantitativamente a qualquer custo para garantir a saúde financeira de três sistemas principais: o mercado financeiro, o previdenciário e o fiscal. Dado que o crescimento econômico é impossível do ponto de vista do espaço físico e ambiental, esses sistemas estão fadados à falência.

O que vamos ver nos próximos anos é uma enorme crise econômica que pode acontecer muito antes da crise ecológica. Os atrasos ecológicos, principalmente na agricultura, são muito grandes, mas isso pode ser uma chance para realinharmos nosso sistema para uma rota de equilíbrio, onde valores humanos, sociais e ambientais passem a fazer parte da equação.

Gazeta Mercantil - O crescimento populacional é um problema ecológico ou econômico?
Hugo Penteado - Ambos. Eu não acredito que o crescimento populacional possa ser ignorado para a questão do crescimento. Na equação de Solow ele é menosprezado dando espaço ao avanço tecnológico, mas não acredito nisso, é mais um erro teórico. Os países ricos estão preocupadíssimos com o baixo crescimento populacional, pois as populações no mundo todo estão envelhecendo e os custos com a previdência estão explodindo. As enormes populações da China e da Índia mostram erradamente que podemos ter enormes populações sem o menor problema, mas essa é uma análise superficial, pois grande parte dessas populações vive na miséria.

De qualquer forma, o mito de espaço infinito para tudo e todos fez com que a gente não se preocupasse com o crescimento absoluto e olhasse apenas para o crescimento percentual da população, que despencou nos últimos 30 anos. Os demógrafos falam que a população vai estabilizar algum dia e ao mesmo tempo toda a mídia e o governo estimulam um baby boom. Sem crescimento populacional o sistema de previdência de repartição simples vai falir; jamais deveria ter sido implementado um sistema no mundo que não fosse o de capitalização.

A dependência financeira de uma geração de pessoas em relação a outra conta com o mito de crescer sempre e cada vez mais, tanto do ponto de vista populacional quanto material. Lógico que isso não vai acontecer; lembre-se que a água e o solo são recursos renováveis, porém finitos, que estão sendo duramente degradados. Só 10% da água doce no mundo não está poluída hoje. Sem esse crescimento, o sistema de repartição simples na previdência não tem equilíbrio atuarial e já está sendo submetido a déficits financeiros crescentes.

Gazeta Mercantil - Mas as taxas de fertilidade e de natalidade estão despencando em todos os lugares; mesmo assim devemos nos preocupar com população?
Hugo Penteado - Primeiro, essa queda nas taxas é uma restrição econômica e financeira, quando olhamos o sistema previdenciário, e nenhum governo quer isso. Segundo, Malthus não errou porque relativizou a oferta de alimentos ao número de bocas; seu maior erro foi não enxergar nenhum problema no crescimento populacional, desde que a população crescesse lentamente. Na verdade, hoje estamos adicionando quase 80 milhões de pessoas por ano na Terra, o mesmo ritmo de crescimento absoluto de 30 anos atrás.

Um mito fez os demógrafos darem ênfase aos números relativos e não aos absolutos. Esses mitos fizeram os economistas olharem também para o crescimento relativo dos fluxos e não os absolutos. Ninguém se importa com o aumento gigantesco de casas e veículos em termos absolutos, apenas com a taxa de crescimento. Focamos em fluxos e em crescimento relativo, as variáveis econômicas principais são fluxos. Isso é fruto do mito que está colocando a humanidade numa rota suicida, tanto do ponto de vista ecológico quanto econômico.

Gazeta Mercantil - Mas isso tudo é muito óbvio. Então o que estamos fazendo para mudar as atuais tendências econômicas?
Hugo Penteado - Se olharmos a corrente política tradicional, nada; e os problemas estão se amontoando. O modelo de crescer a qualquer custo nunca esteve tão forte e é uma pregação messiânica diária. A frase preferida de todos é temos que crescer, embora isso não gere empregos de forma permanente, não seja sustentável para as pessoas e com as condições do meio ambiente e da biosfera. Essa obsessão maníaca por crescimento está disseminada, é tratada de forma totalmente acrítica por todos.

Quando abrimos fronteiras agrícolas aqui no Brasil, deixamos de lembrar que somos o único País com fronteira em expansão no mundo hoje. Os economistas tradicionais comemoram, mas os economistas ecológicos enxergam nisso uma atividade que está importando para dentro do Brasil a insustentabilidade ambiental de países ricos e de países populosos como a China, cujo déficit de alimentos não só já existe, como vai aumentar. O USDA, departamento agrícola americano, prevê déficit de produção de alimentos nos Estados Unidos com a exaustão do aqüífero fóssil Ogallala e na China com a perda de solo fértil. Isso tudo para alimentar uma enorme população que ainda cresce 14 milhões por ano.

Esse déficit vai transformar a Amazônia numa enorme monocultura, cujo déficit de empregos da última década no setor agrícola brasileiro alcança milhões de trabalhadores. São atividades insustentáveis e que expulsam o ser humano, para dizer o mínimo.

Mas não importa: há uma máxima em Filosofia pela qual quando nossos interesses estão em jogo ficamos completamente cegos. Não estamos na verdade vivendo uma crise ambiental e econômica e sim uma enorme crise de valores. Não há tempo para discutir mais essa crise, nem há mais tempo para fazer coisas erradas, mas infelizmente, apesar da falta de tempo, continuamos presos na obsessão pelo crescimento. Basta ver que as únicas políticas econômicas que importam e que regem o mundo são as de demanda (monetária e fiscal).

Para as teorias econômicas tradicionais podemos dizer que a produção de bens e serviços - mesmo que finito - não sofre nenhuma restrição e praticamente brota do nada. É com essa visão distorcida do mundo que estão sendo tomadas decisões que influenciam a vida de todos, decisões que estão nos levando em primeiro lugar para uma falência econômica e em segundo lugar para um risco ecológico do qual ainda não sabemos o tamanho. (Gazeta Mercantil - Eduardo Burato)

Faça o download integral e gratuito do livro Eco-Economia, do Lester Brown, na Biblioteca Digital WWI-UMA - http://www.wwiuma.org.br

Fonte:
Gazeta Mercantil, 5 de março, 2004

Mundo precisa de "chacoalhão", diz ambientalista

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo

Somente um evento catastrófico e repentino poderá colocar o planeta no rumo de uma economia ambientalmente sustentável. Esse "11 de setembro" ecológico deve acontecer nos próximos dois anos, na forma de uma alta maciça no preço dos alimentos causada pela queda na produção de grãos da China, resultado da degradação ambiental.

A previsão é de um dos ambientalistas mais respeitados do mundo, o americano Lester R. Brown, 69. Formado em economia agrícola, Brown fundou em 1973 o Worldwatch Institute, organização não-governamental responsável pela publicação anual do "Estado do Mundo", considerado a bíblia do pensamento ecológico.

Para o ambientalista, que hoje preside o Earth Policy Institute, em Washigton, a economia clássica gerou uma distorção nos preços ao ignorar os custos ambientais que agrava ano a ano a situação dos ecossistemas terrestres --que são, segundo ele, a própria base da economia.

No livro "Eco-Economia" que ganha hoje versão brasileira, Brown propõe a incorporação dos custos ambientais pela reestruturação do sistema tributário.

A idéia, que vigora em escala mínima em alguns países da Europa, é diminuir impostos sobre os ganhos e aumentar taxas sobre atividades destrutivas, como a queima de derivados do petróleo --principal fonte dos gases que causam o aquecimento global.

Brown reconhece que não é uma tarefa simples. Essa reestruturação, que abriria o caminho para energias limpas, como a eólica e o hidrogênio, dependeria de "uma mentalidade de mobilização como a que tivemos na 2ª Guerra", obrigatoriamente disparada por um evento catastrófico. Especialmente nos EUA, país que mais pesa na balança ambiental do globo e que tem andado exatamente na contramão da "eco-economia", reduzindo impostos a atividades destrutivas.

Folha - No seu livro, o sr. diz que nós provavelmente não conseguiremos fazer as pessoas que tomam decisões econômicas pensarem como ecologistas. O ambientalismo falhou em converter as pessoas?
Lester R. Brown - Até agora, nós não fizemos um bom trabalho. Nós estamos gradualmente fazendo progressos. As pessoas estão conscientes dos principais problemas associados ao aquecimento global, como derretimento das geleiras, ondas de calor recordes, tempestades mais destrutivas. Há avanço, mas não chega nem perto do que seria necessário.

Folha - E qual é o problema? Onde os ambientalistas têm errado?
Brown - Na maior parte da nossa existência como espécie, nós não precisamos nos preocupar com o ambiente. Éramos poucos e nosso impacto era mínimo. Só cresceu a partir da agricultura e, em sua maior parte, após a Revolução Industrial. A economia mundial se expandiu sete vezes desde 1950. Agora nós temos de começar a pensar na relação entre a economia e os ecossistemas terrestres. Dois séculos atrás, nós pensamos mais no lado econômico, como desenvolver um mercado e criar empresas. E perdemos o pé da natureza da nossa dependência dos recursos naturais.

Folha - Mas o sr. não acha que, em vez de atrair a atenção do público para esses problemas, não se está perdendo essa atenção?
Brown - Meu palpite é que vamos precisar de um chacoalhão de algum jeito para nos fazer focalizar os problemas ambientais. Eu costumo usar o exemplo histórico dos EUA em 1941. Se você fizesse uma pesquisa de opinião com os americanos em 6 de dezembro de 1941 e perguntasse se eles achavam que os EUA deveriam se envolver na guerra, acho que 85% teriam dito: "De jeito nenhum!" E aí veio o 7 de dezembro [o ataque a Pearl Harbour] e tudo mudou. E muito rápido.

Um mês depois do ataque a Pearl Harbour, o presidente Roosevelt disse que o país iria produzir 40 mil tanques, 65 mil aviões, 20 mil peças de artilharia antiaérea. A indústria automobilística disse que não conseguiria produzir armas e carros ao mesmo tempo. E ele disse: "Nós vamos suspender a produção de carros nos EUA." E foi exatamente o que ele fez. A indústria se redirecionou. Apesar de todas as evidências de que vamos ser forçados a essa guerra, a maioria das pessoas não querem aceitar até que recebamos um chacoalhão.

Folha - Um tipo de 11 de setembro ambiental.
Brown - Exatamente.

Folha - E o que seria?
Brown - O preço da comida. A escassez de água está se tornando um grande problema. Se há escassez de água, há escassez de comida. Minha aposta é que o chacoalhão virá com a China, cuja produção de grãos foi de 9 milhões de toneladas em 1950 para 390 milhões de toneladas em 1998, e agora caiu para 340 milhões de toneladas. No próximo ano ou dois, teremos 1,3 bilhão de consumidores chineses competindo no mercado com os consumidores americanos pelos grãos americanos. E esse 1,3 bilhão de chineses tem US$ 100 bilhões de dólares de superávit comercial com os EUA.

Uma geração atrás simplesmente imporíamos um embargo às exportações para impedir o preço de subir. Mas, agora, temos interesse na estabilidade da China, porque a economia chinesa é o motor da economia mundial. Eu acho que nesse ponto, quando os preços dos alimentos subirem muito, começaremos a achar que há alguma coisa mudando. Isso será dramático se ficar claro, como eu acho que ficará, que as altas temperaturas estão reduzindo a produtividade.

Folha - Há dois pontos aí: primeiro, todas as previsões dos chamados "profetas do apocalipse", de altas nos preços de comida ao esgotamento das reservas de petróleo e a bomba populacional não se concretizaram. Por que deveríamos acreditar nelas desta vez?
Brown - Primeiro deixe-me dizer um par de coisas. Um, embora tenhamos pensado que, com a revolução verde e o aumento na tecnologia agrícola, a fome logo seria uma coisa do passado, ainda temos 800 milhões de pessoas que não têm comida. Há muita gente com fome. Eu não diria que as previsões falharam: elas se materializaram, esse é o problema! O clima está mudando, as temperaturas estão subindo. Está acontecendo! Pode ser um sonho ruim, mas está acontecendo.

Folha - Isso nos traz ao segundo ponto: como tornar clara a associação entre a queda na produtividade na China e a mudança climática? Há muita incerteza científica.
Brown - No último ano houve várias novas pesquisas sobre o efeito preciso da temperatura na produtividade das lavouras. A maioria dos modelos que têm sido usados para prever o efeito do aquecimento global na agricultura foram baseados em dados muitos gerais, sem informação específica. O que estamos obtendo agora do Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz nas Filipinas e do Serviço de Pesquisa Agrícola dos EUA é que o aumento de 1ºC acima do nível ótimo durante a fase de crescimento reduz a produtividade em 10%. Então, podemos olhar para lavouras cuja produtividade foi reduzida pelo aumento de temperatura com um grau de confiança maior.

Folha - O sr. diz também que nós não vamos chegar a lugar nenhum numa eco-economia com um projeto aqui e outro ali. Os ambientalistas e as ONGs têm falhado em dar escala a pequenos projetos. Não está na hora de fazê-los pensar como economistas?
Brown - Acho que sim. Acho que precisamos pensar em mudança sistêmica. Essa mudança significa lidar com coisas como subsídios e taxas sobre atividades destrutivas. Acho que a medida política mais importante para construir uma eco-economia é reestruturar o sistema tributário. Baixar os impostos sobre o ganho e aumentar os impostos sobre atividades como a emissão de carbono.

Impostos ambientais são impopulares. Como conciliar ganhos ambientais de longo prazo com perdas políticas de curto prazo?
Brown - Houve muito poucos esforços para reestruturar o sistema tributário. Na Europa, oito ou dez países começaram a reestruturar seu sistema tributário, mas de uma maneira muito modesta, talvez afetando 2% ou 5% de sua base tributária. Mas está funcionando, serve de modelo para outros países e eles estão fazendo isso mais e mais.

Folha - Mas o país que mais pesa na questão são os EUA, e eles estão longe de fazer essa mudança.
Brown - Sim. Tão longe quanto estávamos de entrar numa guerra em 6 de dezembro de 1941.

Folha - Os economistas clássicos argumentarão que, se todos os fatores externos, como os ambientais, forem incluídos nas contas da economia, os preços subirão a ponto de tornar as relações econômicas impraticáveis.
Brown - Se eles estiverem certos, então nós estamos com problemas. Porque nós pagaremos esses custos de um jeito ou de outro. Por exemplo, neste país, um ano atrás, os Centros de Controle de Doenças publicaram uma análise sobre os custos sociais do cigarro. Concluíram que, baseado no custo adicional do tratamento médico e da redução de produtividade por faltas no trabalho, o custo para a sociedade de um maço de cigarros é US$ 7,18. Esse é o custo indireto. Ele é real. Alguém paga por ele: o empregador, o empregado ou a sociedade. E o mesmo acontece com a mudança climática. Nós vamos pagar o custo indireto de queimar um galão de gasolina, na forma de poluição do ar, tratamentos médicos, tempestades mais violentas etc.

Folha - O cigarro é uma propriedade. A atmosfera é um bem comum. Como fazer para pôr uma etiqueta de preço num bem comum e legislar sobre ele?
Brown - É difícil. Muito mais difícil porque a principal pessoa que paga o custo de fumar um cigarro é o fumante. E a principal pessoa que paga o custo de queimar um galão de gasolina não é necessariamente o motorista. Pode ser um plantador de arroz em Bangladesh, cujas terras estão sendo inundadas devido ao aumento do nível do mar.

Folha - E qual é a solução?
Brown - Fazer com a gasolina o que os Centros para Controle de Doenças fizeram com os cigarros: detalhar os custos indiretos e aí reestruturar o sistema tributário.

Folha - Mas, para funcionar, a abordagem precisa ser global, e soluções globais não parecem muito na moda hoje.
Brown - É verdade. Mas não precisa ser inteiramente global, precisa ter o envolvimento de vários países em várias medidas. A questão interessante é: o custo para a sociedade de queimar um galão de gasolina é maior ou menor do que o custo de fumar um maço de cigarros? Meu palpite é: se incluirmos todos os custos indiretos, o da gasolina é mais alto. Por exemplo: o Banco Mundial previu que, se o nível do mar subir um metro, Bangladesh perde metade de sua área de cultivo de arroz e 40 milhões de bengaleses serão deslocados. Qual é o custo de assentar essas pessoas? São custos tão grandes que nós não queremos nem contemplá-los.

Fonte:
Folha de São Paulo, 07/07/2003