Marrecas piadeiras, um dos alvos dos caçadores
Estamos vivendo um divisor de águas em relação a caça esportiva, com duas importantes vitórias na Justiça em 2008.
Por Maria Elisa Dexheimer Pereira da Silva*
Pensamos que o inverno de 2008 é um bom momento para se fazer um balanço e apresentar à população o resultado dessa luta, que não é somente das organizações que se envolveram diretamente e sim a concretização de um anseio da maior parte da comunidade do RS, amplamente manifesto. Vivemos um divisor de águas na questão da caça esportiva, pois a luta pelo fim da atividade obteve duas importantes vitórias em segundo grau na Justiça, no ano de 2008. Os recursos impetrados pelo Ibama e Federação Gaúcha de Caça e Tiro, foram negados, com o acórdão do último deles publicado em 19/5/2008.
No final de 2003, a ONG União pela Vida (UPV) resolveu organizar um protesto contra a permissão dada anualmente pelo Ibama para a realização da temporada de caça esportiva no Rio Grande do Sul. Tudo começou com um abaixo-assinado, levado inicialmente ao Brique da Redenção, através do qual a ONG conclamava a população a se manifestar de forma contrária à política vigente. Os efeitos dessa iniciativa revelaram-se aos poucos: mais de 95% das pessoas abordadas declararam-se favoráveis à iniciativa e uma pequena minoria favorável à caça. Entre estes, alguns caçadores e os demais, pessoas totalmente desinformadas, invocando fatores "culturais", um tal manejo de fauna, problemas com caturritas, alegando que se não houvesse a caça, os animais se reproduziriam excessivamente.
No parque, cruzaram-se biólogos, advogados, filósofos, religiosos, jornalistas, políticos, pessoas muito simples, pessoas muito cultas,membros de outras ONGs, enfim, uma quantidade enorme de pessoas que passaram a fazer parte de uma rede de apoios que se manteve até os dias atuais.
Em maio de 2004, o Rio Grande do Sul ainda vivia os efeitos de uma monstruosa estiagem com efeitos ainda desconhecidos sobre a fauna. A União pela Vida decidiu ingressar com uma Ação Civil Pública, para evitar que a temporada fosse aberta em condições climáticas tão desfavoráveis.. Para tal, foi procurada a professora Patrícia Silveira, que além de abordar a questão da seca e da contaminação pelo chumbo, pediu que fosse declarada a inconstitucionalidade da caça, em função da crueldade praticada contra os animais.
A temporada de caça, porém foi aberta, tendo sido negado o pedido liminar, restando à UPV aguardar pelo julgamento do mérito. Em 2005, a União pela Vida junta-se ao Movimento Gaúcho de Defesa Animal (MGDA) fornecendo à advogada Sandra Royo os elementos para que ingressasse com outra Ação Civil Pública, dessa vez argumentando que o Rio Grande do Sul estava vivendo duas estiagens consecutivas e que os estudos efetuados, apenas com o intuito de liberação da atividade, eram insuficientes para garantir a longo prazo a sobrevivência das espécies caçadas, bem como a manutenção de suas funções ecológicas.
A ação do MGDA teve atendido seu pedido liminar e a temporada 2005 foi cancelada. Mas a alegria durou pouco, pois uma semana depois, os caçadores e o Ibama obtiveram a reversão da medida e a temporada foi reaberta. Quando tudo parecia irremediável, aconteceu o julgamento do mérito da ação de 2004 da União pela Vida e o Juiz Federal Cândido Alfredo Leal da Silva Júnior proibiu a caça, através de uma sentença considerada por todos que a leram como uma das mais belas sentenças judiciais já escritas em nosso país.
Pouco tempo depois, a liminar caçada do MGDA volta a valer. Em 2006, outro revés, a Justiça decide que a caça poderia retornar, mas já não havia tempo hábil para os procedimentos legais necessários para a abertura da temporada, que foi adiada para 2007.
Em 2007, a União pela Vida não havia tido ainda a possibilidade de recorrer da decisão e o mérito da ação do MGDA ainda não havia sido julgado.
A Fundação Zoobotânica então publica em Zero Hora o chamamento para a Audiência Pública para apresentação dos estudos, ato legal sem o qual a temporada não poderia abrir.Ainda restava uma Ação Civil Pública para ser julgada, a também proposta em 2005 pelo Ministério Público Federal (MPF). Inicia-se uma contagem regressiva, onde um grupo torcia para o julgamento da ação e outro torcia para que o julgamento ocorresse após a realização da temporada de 2007.
Nesse quadro, a Juíza Federal Clarides Rahemeier sentencia a ação do Ministério Público Federal e mais uma vez a caça é proibida no Rio Grande do Sul.
A movimentação quase que sincronizada das ONGs e do Ministério Público Federal, produziram um efeito inacreditável para todos que observaram o processo: interromperam um ciclo quase ininterrupto de temporadas e dirigiram o Estado do Rio Grande do Sul para uma situação de avanço ético, com significação ainda difícil de avaliar.
O ano de 2008, já no dia 13 de março, trouxe outra novidade aos defensores dos animais e de um meio-ambiente ecologicamente equilibrado: no julgamento dos embargos infringentes da União pela Vida, formulados pelos advogados Renata de Mattos Fortes e Ricardo Felinto de Oliveira, do Instituto JUS Brasil, o pleno do Tribunal Federal revalidou a sentença de 1º grau e determinou, por 5 x 1, que a caça esportiva era inconstitucional.
Menos de um mês depois, foi julgado o mérito da ação do MGDA, quando a turma por unanimidade, determinou que o Ibama não poderia ter aberto as temporadas de 2004 e 2005, em função de que os estudos prévios, não atendiam aos requisitos mínimos, tendo sido considerados nulos pela Justiça.
Percebe-se claramente, a partir dos resultados obtidos, que a tendência da Justiça é não mais permitir práticas agressivas e anti-éticas, seja em nome do que for. O Ibama teve a oportunidade de se defender, de comprovar que a atividade não era lesiva ao meio-ambiente, mas não o fez. A Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, por sua vez, também teve a oportunidade de demonstrar a retidão dos seus estudos e a qualidade do trabalho dos técnicos que selecionou, mas omitiu-se, inacreditavelmente negou-se a participar do processo.
Para toda a sociedade gaúcha que assistiu ao desmoronar desse castelo de cartas, resta uma pergunta: se a atividade era insustentável tanto do ponto de vista ético e moral quanto ambiental, porque foi permitida de modo contínuo durante mais de 30 anos?
*A autora, Maria Elisa Dexheimer Pereira da Silva, é Coordenadora da ONG União pela Vida e acadêmica de Direito.
Leia mais:
Ação Civil Pública nº 2005.71.00.017196-9 (RS)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=3263&Itemid=62