segunda-feira, 16 de junho de 2008

Cão agredido por estudante em Brasília é adotado por nova família

Sergio Lima/Folha Imagem

FLÁVIA GIANINI
da Revista da Folha

Bob faz festa quando Alice, 8, chega da escola. Arrasta a pata pela casa, atrás da menina. Mesmo imobilizado, quer brincar. O entusiasmo é contido pela mãe dela, a engenheira florestal Valquíria Gonçalves, 38. Ordens médicas. A fratura na bacia e o osso da pata quebrado foram causados por chutes dados pelo antigo dono. Depois de ter dois pinos implantados na tíbia, e ficar cinco dias internado após a cirurgia, o filhote SRD de quatro meses é o centro das atenções da nova família.

Alice quis o cachorro assim que assistiu ao seu drama na TV. Ela e a mãe ligaram imediatamente para a superintendência do Ibama-DF, mas não obtiveram resposta. Tentaram no dia seguinte, e nada. No terceiro dia, Valquíria foi até lá. "Era final de semana. Ninguém sabia me explicar o que fazer para adotá-lo", relata.


A história do cão comoveu o Brasil. Na quinta-feira 5, o Ibama recebeu uma denúncia de maus-tratos. No local, os técnicos encontraram uma vizinhança revoltada. "Quando chegamos, o dono do cão, Patrick De Meauntroux, tinha fugido levando animal com medo das ameaças ", conta Anderson do Valle, o analista ambiental que apurou a denúncia.

Foram os vizinhos que relataram os detalhes da agressão. No dia seguinte, os técnicos do Ibama voltaram ao local. Foram atendidos pela namorada de Patrick, a estudante de veterinária Maíra Pallazo de Almeida, 19. Ela disse não saber onde estava o rapaz ou o cachorro. "Ameaçamos autuá-la como co-autora do crime. Foi então que ela ligou para o namorado", diz Anderson. À tarde, Maíra levou Bob à clínica onde ele foi operado.

O veterinário Paulo Henrique Cândido de Carvalho recebeu o cão, que já fora atendido na clínica outras vezes sem sinais de maus-tratos. Segundo o veterinário, Patrick, 18, tentou visitar o animal, pouco depois da cirurgia, mas foi impedido. "Já atendemos outros animais vítimas de abuso. Nunca tinha visto nada nesse nível." Para o Ibama, os exames confirmam o crime relatado pelos vizinhos.

No mesmo dia, Patrick, estudante do ensino médio, apresentou-se ao Ibama. Foi autuado por maus-tratos com base no artigo 32 da lei de crimes ambientais, recebeu a multa máxima de R$ 2.000 e teve o cachorro apreendido.

A lei da posse responsável prevê multa, mais pena de três meses a um ano de detenção. Sua aplicação, porém, é branda, afirma a advogada especializada em direito animal Mônica Grimaldi. "A violência contra bichos é considerada crime menor, geralmente punido com cestas básicas ou serviços comunitários."

O outro lado

Patrick garante que tudo foi um mal-entendido. Diz que chutou o cachorro para impedir que comesse veneno de rato. "Estava na rua com o Bob e percebi que ele tinha alguma coisa na boca. Imaginei o pior. Gritei. E ele correu. Quando o alcancei, estava desesperado", justifica. A namorada confirma a versão. "Ele usou força excessiva mas não teve intenção de machucá-lo", diz Maíra. Segundo ela, o namorado não fugiu, foi pedir dinheiro ao pai para custear o tratamento.

Segundo o Ibama, as lesões que Bob apresenta não são compatíveis com às de um acidente. Cerca de dez testemunhas se dispuseram a depor contra o estudante. O processo já foi encaminhado ao Ministério Público, que analisa ainda a possibilidade de apreender outro cão que estava no apartamento de Patrick no dia da confusão. "O animal não apresentava sinais de violência. Mas vamos enviar uma advertência à namorada, que se apresentou como dona", disse Paulo.

Maíra afirmou que ambos os animais, o schnauzer Iuri, 2, e Bob, são dela. E que não recebeu documentação referente à apreensão do segundo. "A clínica me ligou avisando que o Ibama ia levar o Bob", diz ela, que vai tentar reaver o cão na Justiça.

Um novo lar

Com tanta repercussão, Bob foi bastante disputado. O Ibama recebeu 30 propostas de adoção. "Analisamos o perfil dos interessados e encontramos uma família que havia acabado de perder um cãozinho muito parecido com o Bob e tinha um histórico que nos transmitiu confiança", explica Anderson.

Alice está nas nuvens com o novo pet. Ainda se recuperava do trauma de ter perdido a cadela Pandora, morta há três meses por uma neuropatia, quando viu Bob. Agora, a família Gonçalves é fiel depositária do cão. A tutela ainda pertence ao Ministério Público. Valquíria teme que o cão seja retirado da filha e entregue ao ex-proprietário: "Seria muita decepção. Bob está mais que adaptado".

O novíssimo integrante da família mal chegou e já domina o espaço. Recebe atenção o tempo todo. Virou estrela no edifício onde mora. Todos querem ver, afagar, brincar. "Eu estou cuidando dele com amor e carinho", garante Alice. Sorte de Bob.

Como denunciar (em São Paulo)

Qualquer conduta que submeta o animal a sofrimento constitui crime ambiental previsto no artigo 32 da Lei nº 9.605/98. As denúncias podem ser feitas das seguintes formas:

Disque-Denúncia
Recebe denúncias sobre crimes 24 horas. Não é necessário se identificar
Tel. 181

Delegacia do Meio Ambiente
Tel. 0/xx/11 3214-6553 e 3259-2801

PM Ambiental
Tel. 0800-132060

Prefeitura de São Paulo
Tel. 156 (digite opção 6)

BO pela internet
Pelo site www.seguranca.sp.gov.br

Ibama-Linha Verde
Tel. 0800-618080
Ou por e-mail: linhaverde@ibama.gov.br

http://www1.folha.uol.com.br/folha/bichos/ult10006u412692.shtml

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