Fenômeno alimenta o ciclo vicioso em que o aquecimento global faz mais gelo derreter durante o verão, e vice-versa
Medições via satélite feitas pela Nasa no Alasca indicam que retração da superfície congelada é 26% maior que a normal em meses quentes
A quantidade de calor do Sol absorvido pelo Ártico quadruplicou nos últimos 30 anos, o que aumenta o risco de o sistema climático do planeta cruzar uma fronteira sem volta. O número, apresentado ontem encontro de especialistas do clima que ocorre até quinta em Copenhague (Dinamarca), saiu de levantamento feito pela Nasa com imagens de satélite.
A maior absorção de calor decorre da perda de superfície branca de gelo (veja quadro à esq.). Ela gera um ciclo vicioso no qual a própria perda da superfície congelada acelera o processo de derretimento.
Os números da Nasa saíram de observações entre 1973 e 2007 em regiões próximas ao Alasca que perderam muito gelo. Ao contrário das placas congeladas, que refletem quase toda a luz, o mar absorve o calor e passa a contribuir diretamente para derreter a calota polar.
De acordo com Son Nghiem, pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa que apresentou os dados na conferência, o processo pode explicar as grandes perdas de áreas congeladas nos anos recentes.
Entre 1998 e 2008, a redução da superfície de gelo no Ártico durante o verão foi 26% superior ao normal. A média nas duas décadas anteriores, embora já indicasse uma diminuição anormal, havia sido de 4%.
O processo observado no Ártico revela que, devido ao aquecimento global, a região pode estar próxima ao chamado "ponto de virada" -momento em que o processo não pode mais ser revertido. A partir dessa marca o sistema climático seguiria em "resposta positiva", com sua deterioração se retroalimentando, acelerando um eventual colapso.
No polo Norte, o colapso significaria a perda total de gelo durante o verão. A redução total da camada de gelo na região nos meses mais quentes, medida desde os anos 70, já é de 40%. "Ainda não podemos dizer com certeza se o gelo no oceano Ártico deixará de existir no verão. Mas dizemos que os impactos deste fenômeno seriam grandes", diz Nghiem.
Pesquisas recentes da Universidade de Colorado indicam que as calotas da região poderiam deixar de existir em duas décadas. Mas, para Nghiem, o leve aumento da extensão da área congelada no último verão indica que o sistema tem maior capacidade de se recuperar.
A discussão sobre os polos do planeta está ganhando corpo no encontro científico em Copenhague. Alguns cientistas voltaram a alertar que permitir que uma elevação na temperatura de 3C poderia causar o derretimento completo da cobertura de gelo da Groelândia.
Outros cientistas, porém, são um pouco menos pessimistas. "Adotando as atuais medidas de estabilização do clima -como a redução de 80% das emissões em 2050 proposta pelo G8- há uma chance de 55% de a Groelândia não atingir o "ponto virada" ", diz Jason Lowe, do Centro Hadley, da Inglaterra.
Fonte: Folha de São Paulo, 11/03/2009
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