domingo, 4 de maio de 2008

Salvem os antibióticos

Folha de São Paulo - 04/05/2008

Marcelo Leite

Salvem os antibióticos
O sistema atual para produção de alimentos de origem animal nos EUA
não é sustentável


A fundação norte-americana Pew Charitable Trusts é conhecida por
apostar fundo na produção de conhecimento e ferramentas de análise
para resolver problemas contemporâneos e aperfeiçoar políticas
públicas. Na semana passada, publicou um relatório duro da comissão
que trabalhou dois anos e meio sobre o sistema industrial de produção
de carne (bois, porcos e aves). É de tirar o apetite.
O estudo de 124 páginas recebeu o título de "Pondo a Carne na Mesa" e
pode ser baixado da página da Pew na internet (www.pewtrusts.org). Vai
direto ao ponto: "O sistema atual para produção de alimentos de origem
animal nos Estados Unidos não é sustentável e representa um
inaceitável nível de risco para a saúde pública e de dano ao ambiente,
assim como traz malefício desnecessário aos animais que criamos para
comer".

O relatório lista "n" fatores em apoio a essa conclusão. Um dos
preponderantes, que acabou se tornando muito atual, é a dependência da
agropecuária americana dos preços baixos do milho, base da ração usada
para o animal ganhar peso em confinamento. A demanda pelo grão para
produzir álcool combustível está pulverizando essa fonte barata de
proteína, justamente no momento em que o preço do petróleo -de onde
saem combustíveis para máquinas e matérias-primas para fertilizantes e
defensivos- também bate recordes.

No quesito água, o estudo fornece uma informação preocupante: metade
do aqüífero Ogallala já foi exaurida. Com mais de 450 mil quilômetros
quadrados, o reservatório debaixo dos Estados de Nebraska, Kansas,
Colorado, Oklahoma, Novo México e Texas fornece 20% de toda a água
usada em irrigação nos EUA. Não demora em acabar, pois está baixando
cerca de um metro por ano.

Chocantes, mesmo, são as conclusões na área dos efeitos sobre a saúde
pública. Das 12 recomendações do capítulo, metade diz respeito ao
abuso de antibióticos na agropecuária. Além de prevenir e tratar
infecções nos animais, antibióticos também são empregados como
aditivos na ração, para aumentar o ganho de peso.
Quanto mais se usam antibióticos, em humanos ou animais, pior se torna
o problema da resistência. A maior parte das bactérias expostas a
esses remédios morre. As poucas que tiverem resistência ao composto,
porém, ganham uma enorme vantagem competitiva e se reproduzem
rapidamente, passando a infectar os organismos sem que o antibiótico
em questão possa eliminá-las. Com o tempo, surgem cepas terríveis de
micróbios, que deixam os médicos sem ação.

O relatório diz que o fenômeno da resistência já se tornou
"epidêmico". Propõe, por isso, uma medida radical: banir todo uso
não-terapêutico de antibióticos na pecuária. Ou seja, essas drogas só
poderiam ser empregadas para tratar animais com infecção ou para
prevenir infecções naqueles que comprovadamente tenham sido expostos a
elas. Quanto ao uso terapêutico, propõe tornar obrigatória a regra de
excluir do tratamento de animais aqueles antibióticos classificados
como importantes para a saúde humana.

A Suécia baniu os antibióticos não-terapêuticos em 1986. A Dinamarca,
em 1998. A União Européia, em 2006. Como resultado, vem diminuindo o
reservatório de genes para resistência que poderia armar os germes
capazes de atacar humanos (bactérias trocam material genético a torto
e a direito).

E você, já ingeriu a sua ração diária de antibióticos?
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp,
2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e
Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007).
Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).

Folha de São Paulo - 04/05/2008

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