Será arte?
Paula Lima
da Redação
O indivíduo e o animal como suporte artístico, a dor e a morte são as temáticas. O que não é novidade nenhuma no mundo da arte levanta recentes polêmicas sobre os limites da arte. Há limitação na atividade artística? Vida & Arte Cultura convida artistas, críticos e pesquisadores para ampliarem a discussãoUm cachorro morrendo numa galeria de arte. Isso é arte?! Que absurdo! E massivamente a discussão norteou-se pelas reprovações. O artista plástico da Costa Rica, Guillermo Habacuc, 32, desde agosto de 2007 tornou-se sujeito do ódio de milhões de pessoas, por causa da Exposición nº 1 em quem amarrou um cachorro de rua na Galeria Códice, na Nicarágua. Recentemente, Habacuc foi convidado para participar da Bienal Centroamericana de Honduras 2008. A notícia gerou uma verdadeira chacina virtual ao artista. Circula pela Internet um abaixo assinado para boicotar a participação do costa-riquenho na exposição. Até mês passado eram 2 milhões de assinaturas.
As imagens da instalação estão por todo canto. Também no blog de Guillermo (http://www.artehabacuc.blogspot.com). A obra utiliza cinco elementos: a gravação do hino sandinista (movimento político nicaragüense) tocado ao contrário, um incensário onde se queimaram 175 pedras de crack e alguns gramas de maconha, um cachorro que ganhou o nome de Natividad, biscoitos para cachorro que formavam a frase "és o que lês" (você é o que você lê) e a representação dos vários tipos de mídia.
O sentido de tudo isso, segundo Habacuc, é protestar contra a morte de um imigrante nicaragüense, viciado em drogas, Natividad Canda Mayrena, de 24 anos, atacado e morto há dois anos por dois cães rottweilers de uma oficina de Cartago, cidade da Costa Rica. A cena foi filmada pela imprensa, e policiais que estavam no local disseram que não poderiam intervir atirando contra os cães porque a vítima seria atingida. O artista explica em seu blog que utilizou elementos que "nos falem da condição humana".
O escândalo que começou quase de imediato só cresce. E grande parte das discussões que circulam na rede, em blogs de várias nacionalidades, colunas de jornais e sites de ativistas da causa animal, partem de um desconhecimento enorme da veracidade dos fatos. Segundo a diretora da Galeria Códice, Juanita Bermúdez, o cachorro não morreu na exposição. Em comunicado, enviado por e-mail, ela esclarece as condições em que o cachorro permaneceu na Galeria. "O cão permaneceu no local por três dias, a partir das cinco da tarde da quarta-feira, 15 de agosto (de 2007). Esteve solto o tempo inteiro no pátio interior, exceto pelas três horas que durou a mostra, e foi alimentado com comida de cachorro que o próprio Habacuc trouxe. Surpreendentemente, ao amanhecer da sexta-feira, 17, o cão escapou passando pelas vergas de ferro da entrada principal do imóvel, enquanto o vigilante noturno que acabava de alimentá-lo limpava a calçada exterior do local".
De nada adiantou a declaração de Bermudez, nem mesmo o anúncio de que Guillermo Habacuc não fora selecionado para Bienal Centroamericana pela obra Exposición nº 1. Nesse contexto surgiram discussões sobre ética e os limites da arte. O Vida & Arte Cultura deste domingo convidou artistas, críticos e pesquisadores para ampliarem o debate.
Há limitações à atividade artística? O curador e doutorando em crítica de arte da Escola de Artes da Universidade de São Paulo, Ricardo Resende, pontua em artigo que a primeira questão deve ser: "como entendemos a arte hoje?". "A arte não trata apenas de questões estéticas ou plásticas. Ela pode tratar-se apenas de conceitos na atualidade. Tratando assuntos polêmicos na sua subjetividade. Quero dizer sem ser direta ou óbvia".
Em entrevista, a arte-educadora Ana Mae Barbosa condena a mensagem da obra de Habacuc. "A idéia era chamar atenção para o fato como os imigrantes estão sendo tratados, como cachorros. Primeiro acho muito literal, pouco inventivo e pouco criativo. Usar o cachorro para mostrar que os imigrantes têm vida de cachorro. O debate foi mal direcionado". Ana Mae parte da idéia de que na arte não há certo ou errado, e defende: "a função da arte é enganar o público? Não é".
Obras como essa já vêm sendo feita desde a década de 60 e 70. Maria Hirszman, crítica de arte do jornal Estado de S. Paulo, numa conversa por telefone, diz que a obra de Habacuc não é nenhuma "sacada". Lembra do artista norte-americano Joseph Beuys, que prendeu-se com um coiote numa sala e filmou a relação entre ele e o bicho. "Esse rapaz tentou retomar a mesma idéia, se o público não entendeu ou se o artista ficou rodeando a questão não há como avaliar porque não vi a obra. Mas é muito difícil falar em romper os limites éticos da arte, porque é muito difícil romper alguma coisa hoje. Esses parâmetros já foram todos rompidos. Não tenho visto nada impactante atualmente. São as mesmas armas que continuam indo e vindo".
A sociedade reclama os direitos de defesa do animal. O que Ana Mae chama, nessa obra específica, de "enganação emocional". Hirszman pontua: "Evidente que ninguém está querendo maltratar o bicho. Parece-me um certo cinismo da sociedade, que não se incomoda de ver bichos serem maltratados, carregando peso, mas se ele está dentro de uma galeria reclamam. Por outro lado é uma ocasião única para você comentar sobre a proteção dos animais, levantar a bandeira".
O artista plástico paulista, Gabriel Bittar, polemiza: "a opinião pública é unânime: porque ele não fez isso com ele mesmo? Provavelmente funcionaria melhor". E no artigo sobre Specimen Art traça um breve histórico de obras e instalações em que os artistas usam o próprio corpo como suporte. Sebastião Miguel, artista plástico e mestre em artes visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais, passeia pelo cinema e pela literatura para mostrar que o fascínio pela dor sempre inspirou artistas. No texto sobre o tema, descreve como "a arte contemporânea é um terreno maleável onde os experimentos e julgamentos éticos se constroem junto com a obra". Já o professor de História da Arte da Universidade Federal do Ceará, João de Sá Pessoa, alerta para uma melhor avaliação para quem é dado o Status de artista no "mundo da arte contemporânea".
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