Rodovias impedem fluxo genético entre ursos e outros animais nos EUA.
Risco de atropelamento pode ser contornado com túneis sob pistas.
Chris Servheen passa bastante tempo remoendo uma séria pergunta científica: por que o urso pardo não cruzou a estrada?
O futuro do urso pode depender dessa resposta.
As montanhas do Glacier National Park e os montes ao redor dele estão cheios de ursos. Um censo que durou cinco anos e que foi concluído recentemente encontrou 765 ursos pardos no noroeste de Montana, mais que o triplo do número de ursos da época em que o bicho foi classificado como espécie ameaçada em 1975. Ao sul, encontra-se uma faixa de área selvagem protegida pelo governo federal muito maior do que o Yellowstone, onde o habitat é bom e não existem ursos pardos. Eles foram varridos dali há 50 anos para proteger as ovelhas. Uma das principais razões pela qual eles não voltaram é a rodovia Interstate 90.
Para chegar ali vindo do norte, um urso teria de escalar uma barreira de concreto na pista, cruzar as duas pistas, enfrentar um tráfego de veículos a 130km/h, escalar uma barreira de concreto que divide as pistas (ainda mais alta), cruzar mais duas faixas e finalmente cruzar outra barreira de concreto. "É o corredor de vida selvagem mais crítico no país", disse Servheen em relação à ligação entre os dois habitats. Ele é coordenador da recuperação dos ursos pardos para o Fish and Wildlife Service.
Como o tráfego chega a mais de 3 mil veículos por dia, cruzar uma estrada se torna extremamente difícil. Os 20 quilômetros da rodovia Interstate 90 aqui, onde ursos pardos provavelmente cruzariam, têm de 8 mil a 10 mil veículos por dia, então é impossível cruzá-la grande parte do tempo. Não só para ursos – lobos, carcajus e várias outras espécies circulam por aqui.
Direito de ir e vir
Nos últimos anos, cientistas conseguiram entender as importantes mudanças trazidas pelas rodovias que cruzam a paisagem. Alguns especialistas acreditam que a fragmentação de habitats, o fatiamento de grandes paisagens em pequenas terras com estradas, casas e outras construções, seja o maior de todos os problemas ambientais.
"De longe", disse Michael Soule, biólogo aposentado e fundador da Sociedade para a Biologia de Conservação, "é maior do que as mudanças climáticas. Enquanto os efeitos graves das mudanças climáticas estão 30 anos para frente, não haverá nada para salvar se não resolvermos essa fragmentação. E a força causadora da fragmentação são as estradas."
A fragmentação isola a vida selvagem de elementos essenciais, incluindo comida, segurança ou outros membros da mesma espécie para reprodução e diversidade genética. No fim, eles desaparecem. Existem cerca de 6,4 milhões de quilômetros de estradas afetando 20% dos Estados Unidos, e nos últimos dez anos o novo campo da ecologia das estradas surgiu para estudar os diversos impactos das rodovias e como minimizar os estragos.
"Estradas são os maiores artefatos humanos do planeta", disse Richard T.T. Forman, professor de ecologia da paisagem em Harvard, que trouxe a ecologia das estradas da Europa para os Estados Unidos. Ele é editor de um texto decisivo na área, "Road Ecology: Science and Solutions" (Island Press, 2003).
Crocodilos correndo
Um dos primeiros projetos no país para melhorar o efeito das estradas foi no Corredor dos Crocodilos na I-75, Flórida. Uma série de 24 passagens subterrâneas restaurou o fluxo d'água para o Everglades (região pantanosa) e permitiu que a vida selvagem migrasse de forma segura. As mudanças reduziram a mortalidade das panteras da Flórida – que só tinham 50 exemplares – de 4 para 1,5 por ano.
Agora, o número de projetos de rodovias sensíveis à ecologia no país, construídos ou em progresso, chega a centenas. Em Amherst, Massachusetts, salamandras surgem da hibernação na lama na primeira noite de chuva de abril. "Elas aparecem e saem correndo atravessando a rua para o lago onde se reproduzem e então fazem uma orgia", disse Forman.
Tantas salamandras estavam sendo mortas que os habitantes locais pararam o tráfego na noite em que os animais surgiram para deixá-los cruzar a estrada em segurança. Em 1987, engenheiros colocaram um túnel sob a estrada, com duas cercas para guiar os répteis na travessia, como um funil.
O mais alto padrão de estradas "amigas da vida selvagem" está no Banff National Park nas montanhas do oeste do Canadá. A principal rodovia do país, a Trans-Canada 1, passa através do parque. Com 25 mil veículos por dia, colisões entre veículos e animais selvagens eram bastante freqüentes. Existem 24 cruzamentos (todos subterrâneos, menos dois) e eles reduziram as colisões com ungulados (animais com casco) em 96% e em 80% com mamíferos de grande porte.
Nos últimos anos, o conceito se tornou parte integrante das estradas, com a ajuda de um projeto de lei federal de transporte que ordenava a elaboração de projetos de rodovias verdes. "Existem coisas sendo feitas por toda parte, até com insetos", disse Patricia Cramer, bióloga pesquisadora da Universidade Estadual de Ohio, que avaliou centenas de projetos domésticos. Essa minimização de impactos é especialmente importante para 21 espécies protegidas para as quais a mortalidade nas estradas é um grande fator na sobrevivência, incluindo linces e tartarugas do deserto. No entanto, acabar com a mortalidade direta é somente um aspecto da fragmentação causada pelas estradas.
Conectividade restaurada?
Ainda não está claro o quão bem a conectividade restaurada funciona para manter um conjunto de genes diversificados e manter uma viabilidade a longo prazo. Um estudo na Califórnia, ao longo da Santa Monica Freeway, uma das rodovias mais movimentadas do país, com 150 mil veículos viajando por dia e 16 faixas, descobriu que linces e coiotes usavam passagens subterrâneas existentes – que não foram projetadas para os animais selvagens – para chegar ao outro lado. A rodovia, no entanto, fez com que o território ficasse cheio e os animais mais novos eram desafiados a ponto de não conseguir sobreviver para se reproduzir.
A importância de prevenir e desfazer a fragmentação levou uma multidão de grupos ambientalistas a assumir a conectividade – preservando a capacidade de se mover dos animais selvagens – como um problema. Soule, por exemplo, é fundador do Wildlands Project, um esforço para proteger corredores em grandes paisagens.
Uma razão pela qual o problema tem recebido atenção é que ele envolve também a segurança humana. Ocorrem de um a dois milhões de colisões entre veículos e animais selvagens por ano, o que custa às empresas de seguro mais de US$ 1 bilhão. Cerca de 200 pessoas morrem a cada ano nesses acidentes. A intransitabilidade crescente das estradas aparece à medida que ocorrem mudanças climáticas e a necessidade de se cruzar rodovias se torna ainda mais importante.
Siga os arbustos
Grupos de vegetação, projeta-se, irão migrar para o norte, o que significa que os ursos pardos terão de ser capazes de segui-los. "Um bom exemplo são os campos com arbustos onde encontramos frutinhas", disse Servheen. "Se o clima quente os elimina, os ursos terão de ir para outro lugar." O problema é que eles podem não ser capazes de segui-los. "Nós os prendemos" com a estrada, afirmou.As rodovias têm impactos ecológicos que vão além da fragmentação do habitat. O asfalto quente e a chuva que lava o acostamento nutrem o crescimento de grama na beira da estrada. Além disso, o sal que é usado para derreter o gelo em estradas, junto com a grama, atrai veados e outros animais selvagens. Com veados sendo esmagados, eles por sua vez atraem predadores e animais que se alimentam de restos orgânicos, como a águia-americana, que então são atropelados por carros.
Mas o lado negativo de minimizar os impactos das rodovias, disse Trisha White, diretora da Campanha de Habitat e Rodovias para os Defensores da Vida Selvagem, é pensar que isso resolve todos os problemas. "O maior perigo é pensar que podemos construir novas estradas com passagens para os animais e tudo ficará bem", ela disse. "Existem tantos outros impactos. Nada é mais equivocado do que pensar dessa forma".
Ainda assim, as passagens realmente ajudam. Servheen instalou câmeras sensíveis ao calor e aos movimentos em duas passagens subterrâneas em estradas daqui, onde os ursos podem cruzar a I-90 por baixo, mas os dispositivos ainda não capturaram cenas dos ursos pardos usando essas passagens. No entanto, ele espera que de alguma forma os ursos se movam em direção ao sul.
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL805294-5603,00-CIENTISTAS+TENTAM+SALVAR+BICHOS+DE+HABITAT+FATIADO+CAUSADO+POR+ESTRADAS.html
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