terça-feira, 20 de maio de 2008

ઇ‍ઉ Mais um inverno sem caça ou....água mole em pedra dura....

Raul Cassou

Marrecas piadeiras, um dos alvos dos caçadores

Estamos vivendo um divisor de águas em relação a caça esportiva, com duas importantes vitórias na Justiça em 2008.

Por Maria Elisa Dexheimer Pereira da Silva*

Pensamos que o inverno de 2008 é um bom momento para se fazer um balanço e apresentar à população o resultado dessa luta, que não é somente das organizações que se envolveram diretamente e sim a concretização de um anseio da maior parte da comunidade do RS, amplamente manifesto. Vivemos um divisor de águas na questão da caça esportiva, pois a luta pelo fim da atividade obteve duas importantes vitórias em segundo grau na Justiça, no ano de 2008. Os recursos impetrados pelo Ibama e Federação Gaúcha de Caça e Tiro, foram negados, com o acórdão do último deles publicado em 19/5/2008.

No final de 2003, a ONG União pela Vida (UPV) resolveu organizar um protesto contra a permissão dada anualmente pelo Ibama para a realização da temporada de caça esportiva no Rio Grande do Sul. Tudo começou com um abaixo-assinado, levado inicialmente ao Brique da Redenção, através do qual a ONG conclamava a população a se manifestar de forma contrária à política vigente. Os efeitos dessa iniciativa revelaram-se aos poucos: mais de 95% das pessoas abordadas declararam-se favoráveis à iniciativa e uma pequena minoria favorável à caça. Entre estes, alguns caçadores e os demais, pessoas totalmente desinformadas, invocando fatores "culturais", um tal manejo de fauna, problemas com caturritas, alegando que se não houvesse a caça, os animais se reproduziriam excessivamente.

No parque, cruzaram-se biólogos, advogados, filósofos, religiosos, jornalistas, políticos, pessoas muito simples, pessoas muito cultas,membros de outras ONGs, enfim, uma quantidade enorme de pessoas que passaram a fazer parte de uma rede de apoios que se manteve até os dias atuais.

Em maio de 2004, o Rio Grande do Sul ainda vivia os efeitos de uma monstruosa estiagem com efeitos ainda desconhecidos sobre a fauna. A União pela Vida decidiu ingressar com uma Ação Civil Pública, para evitar que a temporada fosse aberta em condições climáticas tão desfavoráveis.. Para tal, foi procurada a professora Patrícia Silveira, que além de abordar a questão da seca e da contaminação pelo chumbo, pediu que fosse declarada a inconstitucionalidade da caça, em função da crueldade praticada contra os animais.

A temporada de caça, porém foi aberta, tendo sido negado o pedido liminar, restando à UPV aguardar pelo julgamento do mérito. Em 2005, a União pela Vida junta-se ao Movimento Gaúcho de Defesa Animal (MGDA) fornecendo à advogada Sandra Royo os elementos para que ingressasse com outra Ação Civil Pública, dessa vez argumentando que o Rio Grande do Sul estava vivendo duas estiagens consecutivas e que os estudos efetuados, apenas com o intuito de liberação da atividade, eram insuficientes para garantir a longo prazo a sobrevivência das espécies caçadas, bem como a manutenção de suas funções ecológicas.

A ação do MGDA teve atendido seu pedido liminar e a temporada 2005 foi cancelada. Mas a alegria durou pouco, pois uma semana depois, os caçadores e o Ibama obtiveram a reversão da medida e a temporada foi reaberta. Quando tudo parecia irremediável, aconteceu o julgamento do mérito da ação de 2004 da União pela Vida e o Juiz Federal Cândido Alfredo Leal da Silva Júnior proibiu a caça, através de uma sentença considerada por todos que a leram como uma das mais belas sentenças judiciais já escritas em nosso país.

Pouco tempo depois, a liminar caçada do MGDA volta a valer. Em 2006, outro revés, a Justiça decide que a caça poderia retornar, mas já não havia tempo hábil para os procedimentos legais necessários para a abertura da temporada, que foi adiada para 2007.

Em 2007, a União pela Vida não havia tido ainda a possibilidade de recorrer da decisão e o mérito da ação do MGDA ainda não havia sido julgado.

A Fundação Zoobotânica então publica em Zero Hora o chamamento para a Audiência Pública para apresentação dos estudos, ato legal sem o qual a temporada não poderia abrir.Ainda restava uma Ação Civil Pública para ser julgada, a também proposta em 2005 pelo Ministério Público Federal (MPF). Inicia-se uma contagem regressiva, onde um grupo torcia para o julgamento da ação e outro torcia para que o julgamento ocorresse após a realização da temporada de 2007.

Nesse quadro, a Juíza Federal Clarides Rahemeier sentencia a ação do Ministério Público Federal e mais uma vez a caça é proibida no Rio Grande do Sul.

A movimentação quase que sincronizada das ONGs e do Ministério Público Federal, produziram um efeito inacreditável para todos que observaram o processo: interromperam um ciclo quase ininterrupto de temporadas e dirigiram o Estado do Rio Grande do Sul para uma situação de avanço ético, com significação ainda difícil de avaliar.

O ano de 2008, já no dia 13 de março, trouxe outra novidade aos defensores dos animais e de um meio-ambiente ecologicamente equilibrado: no julgamento dos embargos infringentes da União pela Vida, formulados pelos advogados Renata de Mattos Fortes e Ricardo Felinto de Oliveira, do Instituto JUS Brasil, o pleno do Tribunal Federal revalidou a sentença de 1º grau e determinou, por 5 x 1, que a caça esportiva era inconstitucional.

Menos de um mês depois, foi julgado o mérito da ação do MGDA, quando a turma por unanimidade, determinou que o Ibama não poderia ter aberto as temporadas de 2004 e 2005, em função de que os estudos prévios, não atendiam aos requisitos mínimos, tendo sido considerados nulos pela Justiça.

Percebe-se claramente, a partir dos resultados obtidos, que a tendência da Justiça é não mais permitir práticas agressivas e anti-éticas, seja em nome do que for. O Ibama teve a oportunidade de se defender, de comprovar que a atividade não era lesiva ao meio-ambiente, mas não o fez. A Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, por sua vez, também teve a oportunidade de demonstrar a retidão dos seus estudos e a qualidade do trabalho dos técnicos que selecionou, mas omitiu-se, inacreditavelmente negou-se a participar do processo.

Para toda a sociedade gaúcha que assistiu ao desmoronar desse castelo de cartas, resta uma pergunta: se a atividade era insustentável tanto do ponto de vista ético e moral quanto ambiental, porque foi permitida de modo contínuo durante mais de 30 anos?

*A autora, Maria Elisa Dexheimer Pereira da Silva, é Coordenadora da ONG União pela Vida e acadêmica de Direito.

Leia mais:


Ação Civil Pública nº 2005.71.00.017196-9 (RS)


http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=3263&Itemid=62


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