Os hotéis e as aldeias espalhados pela região despejam esgoto sobre os recifes. Uma usina nuclear os escalda com a água que utiliza na refrigeração do reator nuclear e depois descarta. Mergulhadores recreativos caminham sobre os recifes, e ocasionalmente arrancam pedaços de coral para levar com eles como recordação.
E em 2001, um grande navio cargueiro naufragou ao largo de Kenting, destruindo o coral sobre o qual seus restos vieram a repousar e despejando mais de mil toneladas de óleo-combustível ao longo da costa.
Como se tudo isso não fosse o bastante, a tendência de elevação na temperatura do mar tornou mais freqüente o "alvejamento de coral", o que pode ser fatal para o organismo caso perdure por mais de duas ou três semanas.
Mas em uma era quando esse desgaste ambiental está matando os recifes de coral em todo o mundo, os de Kenting parecem estar resistindo surpreendentemente bem. Um cientista local disse que Taiwan pode até mesmo se provar uma espécie de "arca de Noé" para os corais do planeta.
"Esta é a era na qual as mudanças na temperatura mundial e o aquecimento dos oceanos representam grandes problemas para os recifes de coral", disse Fan Tung-yung, especialista em corais no Museu de Biologia Marinha e Aquário Nacional de Taiwan, em entrevista por telefone. "Mas Kenting é um refúgio".
Um estudo conduzido por John Bruno e Elizabeth Selig e publicado no ano passado pela revista científica PLoS One, comparando recifes de coral localizados em diversos pontos dos oceanos Pacífico e Índico, constatou que a cobertura média de coral (a proporção do piso oceânico recoberta por corais vivos) era de cerca de 22% nas áreas estudadas, enquanto Fan afirma que a cobertura em Kenting atinge os 40%.
No ano passado, quando um surto de alvejamento de coral destruiu muitos recifes na região Ásia-Pacífico, os de Kenting sobreviveram e se recuperaram.
A relativa resistência dos recifes locais atraiu intenso interesse de biólogos marinhos de todo o mundo. Agora, cientistas norte-americanos e taiuaneses esperam transformar Kenting em parte de um "sistema de alerta antecipado" de alcance mundial, em um projeto liderado pelos Estados Unidos para a monitoração de recifes de coral.
Um sistema como esse ajudaria os cientistas e os funcionários do governo de Taiwan a melhor proteger os recifes. Também permitiria que os cientistas recolhessem dados para explicar por que alguns recifes, como os de Kenting, são tão robustos enquanto outros parecem muito frágeis.
"Os recifes de Kenting são muito impressionantes em termos da cobertura geral e da diversidade de corais", afirmou em mensagem de e-mail o biólogo Peter Edmunds, especialista em coral da Universidade Estadual da Califórnia em Northidge, que inspecionou os recifes de Taiwan, "Eles oferecem uma oportunidade única e muito importante para que compreendamos os motivos que levam alguns recifes a sobreviver melhor do que outros em todo o mundo".
Os cientistas já trabalham com diversas hipóteses. Os recifes de Kenting são afortunados porque contam com reabastecimento por um firme suprimento do que os cientistas designam "recrutas" ¿novos corais, no caso conduzidos ao norte de seu ponto de origem nas águas das Filipinas. Isso significa que, mesmo que o coral seja destruído, novos corais rapidamente tomam seu lugar.
Mais importante, porém, é o fato de que a região conta com correntezas movidas pelas marés que regularmente encaminham água mais fria, vinda das profundezas, para as águas rasas ao largo da ponta sul de Taiwan. Fan diz que esse fenômeno de água fria em ascensão é bastante raro.
Edmunds e Fan acreditam que a tenacidade dos recifes de Kenting esteja relacionada à sua exposição natural a variações acentuadas em temperatura das águas (a temperatura varia em até nove graus ao longo do dia), causadas por esses padrões de marés.
"É possível que esses fatores de desgaste térmico de alguma maneira ofereçam aos corais a capacidade de resistir a outras formas de desgaste subseqüentes", disse Edmunds.
O ganho de resistência propiciado pelo bombardeio diário de águas em temperaturas muito diferentes pode tornar os recifes de Kenting capazes de simplesmente ignorar o aquecimento das águas que prejudica tanto os recifes de coral em outras partes do mundo.
Estranhamente, diz Fan, a usina nuclear também pode ter ajudado a tornar os recifes mais resistentes. Os recifes de coral na área tiveram 30 anos para se adaptar às temperaturas mais altas (em entre dois e quatro graus) perto do ponto de despejo das águas de refrigeração do reator nuclear que Taiwan opera na baía de Nanwan ¿aliás, também o local de uma popular praia de recreação.
É certo que essa definição de que os recifes de Kenting estão se saindo bem só funciona em termos de comparação com outros recifes mundiais. Dai Chang-feng, especialista em corais no Instituto de Oceanografia da Universidade Nacional de Taiwan, afirmou em entrevista que três décadas atrás a cobertura de coral nos recifes de Kenting era de até 75% a 80%, quase o dobro da atual.
Os modelos predizem que até 2050 "a maioria das espécies de coral em Kenting" desaparecerão, segundo Dai. Especificamente, suas simulações prevêem que menos de 50 das 300 espécies de coral existentes em Kenting sobreviverão até 2050, e poucas ou nenhuma restarão vivas em 2100.
Para ajudá-los a evitar esse destino, cientistas e o governo precisam primeiro de melhores dados quanto ao que exatamente mata os corais, e porque alguns deles, como os de Kenting, se provam mais resistentes. É a isso que servirá a Rede Integrada de Observação de Coral, liderada pelos Estados Unidos.
Cientistas de Taiwan e dirigentes do Parque Nacional de Kenting (que tem jurisdição sobre os recifes) vêm se reunindo com cientistas da Administração Nacional da Atmosfera e Oceano (NOAA) dos Estados Unidos a fim de discutir a adesão de Taiwan à rede. Kenting poderia ser incorporada no ano que vem, dizem Fan e outros envolvidos no projeto.
A ambiciosa rede tem por objetivo oferecer um quadro mundial quanto à saúde dos recifes de coral, tanto para fins de pesquisa quanto como um "sistema de alerta antecipado" quando os recifes de coral forem ameaçados.
Já ativa nas Bahamas, ela usa sensores submarinos que registram a temperatura da água e outros dados e os transmitem a satélites. Os dados são então encaminhados a uma rede que permite monitoração em tempo real de recifes de coral em todo o mundo.
"O propósito dos sensores é estudar como o aquecimento global afeta os corais e saber o que acompanhar", disse Keryea Soong, especialista em corais no instituto de biologia marinha da Universidade Nacional Sun Yat-sem, em Kaohsiung, um porto no sul de Taiwan.
"Podemos idealizar experiências para melhor compreender o fenômeno do alvejamento. Os satélites podem oferecer imagens sobre uma área mais amplas, mas com os sensores é possível determinar temperaturas em escala muito menor, como em Kenting".
O alvejamento é uma das principais ameaças aos recifes de coral mundiais e ocorre quando o coral perde suas algas simbióticas devido a fatores de desgaste como temperatura elevada da água. Isso remove a cor dos corais e sua principal fonte de nutrientes.
Quando os sensores da rede de monitoração mostrarem um recife sob ameaça, cientistas e funcionários do Parque Nacional de Kenting poderão tomar medidas imediatas ¿por exemplo, proibir atividades como o mergulho ou o uso de barcos a motor na área.
"O mundo todo está preocupado com a saúde dos recifes de coral", disse Shih Chin-fang, antigo diretor do Parque Nacional de Kenting, em entrevista. "Por isso um grupo de especialistas está trabalhando com muito afinco em todo o mundo para conectar esse sistema de monitoração à Internet".
Todas essas medidas são apenas paliativos, no entanto, e não enfrentam a ameaça de longo prazo que o aquecimento global representa para os recifes de coral. Edmunds se preocupa com a possibilidade de que os recifes de Kenting, embora pareçam tão resistentes, possam estar simplesmente ficando um pouco para trás de recifes que estão em deterioração em outras partes do mundo, e que seu declínio seja iminente.
Edmunds disse que "já vi efeitos semelhantes no Caribe. Um recife que estava se saindo bem por 20 anos enquanto aqueles que o cercavam se deterioravam, até que subitamente, em 2005, começou a morrer com velocidade alarmante".
Por enquanto, ele outros cientistas esperam que os recifes de Kenting sejam realmente excepcionais. E que em breve eles possam descobrir o motivo.
Tradução: Paulo Migliacci
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