Felipe Sáles e Luciana Abade, Jornal do Brasil
RIO - Famosa pelas belezas naturais e pelas zonas de risco, a Cidade Maravilhosa –ou Cidade Partida – é o balcão de negócios preferido não apenas de traficantes de armas e drogas. O Rio é uma das principais rotas de animais silvestres do país (ao lado de São Paulo), abastecendo tanto o mercado externo quanto o interno, incrementado com mais de 100 feiras livres, segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). Terceiro crime mais rentável do mundo – movimentando em torno de US$ 900 milhões por ano no Brasil – o tráfico de animais vem batendo recordes de apreensões no Rio, com acréscimos superiores a 150%, apesar da precária infra-estrutura com que convivem os agentes fiscalizadores.
O Renctas afirma que o tráfico de drogas e armas está diretamente ligado ao de animais silvestres, informação avalizada pelo primeiro tenente Eric Cardoso, subcomandante da 1ª Companhia do Batalhão de Polícia Florestal e de Meio Ambiente da Polícia Militar (BPFMA). Depois de mudar as estratégias de combate às feiras livres, o batalhão aumentou as apreensões de animais de 1.908 no ano passado para 4.816 até outubro deste ano.
– Hoje há olheiros com radiotransmissores em pontos avançados das feiras, como acontece com o tráfico – contou Cardoso. – Por isso, tivemos de mudar o modus operandi: enviamos policiais à paisana e, em seguida, chegam as viaturas. Com isso, conseguimos apreender até 80% dos animais comercializados.
Lei tênue
Ao todo, existem mais de 100 feiras livres no estado do Rio, em municípios como Vassouras, Miguel Pereira, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Piraí, São Gonçalo, Magé, Campos dos Goytacazes, São João da Barra, São Fidélis e Muriaé, além de Duque de Caxias, a mais famosa do Rio. Um dos principais problemas enfrentados no combate ao crime, porém, é a fragilidade da Lei 9.605, que determina a pena de um a três anos de prisão para os criminosos.
– De 30% a 60% dos bandidos são reincidentes – conjecturou. – Os criminosos apenas são levados à delegacia, assinam um termo circunstancial e vão embora após pagarem fiança de R$ 960. Uma mixaria. Um dos presos tinha no bolso R$ 2.600, e a feira estava ainda no início. Quando terminamos a ocorrência do vigésimo preso, por exemplo, o primeiro já está nas ruas.
A PM foi a corporação que mais fez apreensões este ano – embora conte com viaturas antigas e apenas quatro policiais de plantão por dia, isso quando não estão em busca de corpos de gente em morros da cidade. Em seis meses, a Polícia Federal apreendeu 1.787 animais, e a Polícia Rodoviária Federal contabilizou 459 até novembro deste ano, contra 250 no ano passado. O inspetor Eugênio Nemirovsy, chefe da seção de policiamento e fiscalização da PRF, conta que muitos animais vêm sendo transportados dentro de ônibus, o que dificulta a fiscalização.
– Quanto mais aumentamos a repressão, mais os traficantes criam rotas alternativas e horários variados – afirmou Eugênio, citando as principais rodovias, como a Via Dutra e a Rio–Petrópolis, como as maiores rotas. – O Rio é o principal mercado, e, sem dúvida, as apreensões serão maiores se maior for a fiscalização.
Segundo o Renctas, por ano, cerca de 38 milhões de animais são retirados da natureza. De cada 10, nove morrem durante a captura ou no transporte. Apenas um chega às mãos do consumidor, 60% deles no mercado interno e 40% o exterior.
Centro de Triagem do Ibama no estado será ampliado
Embora o Rio seja o principal receptor de animais traficados, a superintendência do Ibama no estado conta com apenas um Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), contra quatro existentes em São Paulo, por exemplo. São 16 recintos, muitos deles improvisados e adaptados pelos próprios sete técnicos que se desdobram em plantões para cuidar dos animais, que chegam na maioria das vezes extremamente machucados. Por ironia do destino, será justamente a construção de uma rodovia que poderá ajudar a salvar as espécies.
O Arco Rodoviário Metropolitano – que está sendo construído pelo estado – vai cortar a Floresta Nativa Mário Xavier, em Seropédica, na Baixada Fluminense, onde o Cetas está localizado. O novo Cetas – ainda sem prazo de construção – terá a área duas vezes maior do que a atual, com cerca de 4 hectares. O Centro receberá R$ 5 milhões de indenização que serão usados para modernizá-lo.
– Se tivéssemos 10 Cetas, os 10 estariam lotados – acredita o Rodrigo Costa, biólogo do Instituto Estadual de Florestas que está cedido ao Ibama. – O Rio é um centro
distribuidor e a oferta e procura é imensa.
Animais em extinção
O Cetas conta com apenas sete tratadores, número que poderá ficar ainda menor caso o contrato do IEF com o Ibama não seja renovado. Segundo Vinícius de Oliveira, coordenador do Cetas, o ideal para o centro seria haver pelo menos mais quatro tratadores de animais. No local vivem animais em extinção como canário xoxó, arara e trinca-ferro, que podem valer de R$ 3 mil a R$ 30 mil. Em competições de pássaros, um pio mais alto pode elevar o valor área até R$ 250 mil.
– Aqui não tem greve nem feriado – conta. – Tem sempre alguém de plantão para cuidar dos animais. Recebemos 95% dos animais apreendidos no Rio e tivemos de improvisar alguns locais.
Para não sobrecarregar o centro, Vinícius conseguiu um convênio entre o Ibama e a Força Aérea Brasileira para fazer o repatriamento dos animais. O primeiro foi em outubro para Vitória da Conquista, na Bahia. Outros são repatriados em sítios ecológicos da região. O Cetas tem hoje 3.200 animais. Alguns, como o ouriço caxeiro que se enche de espinhos ao se sentir ameaçado, tiveram os olhos queimados para que compradores o considerassem manso.
Brasil é quarto no tráfico de animais
O Brasil ocupa uma posição desonrosa no ranking mundial de tráfico de animais. É o quarto país que mais exerce a prática criminosa, atrás apenas da Malásia, Índia e Indonésia. A Europa é o principal mercado consumidor, seguida dos Estados Unidos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estima que mais de 5 milhões de animais são enviados ilegalmente para o exterior todos os anos. Os números do tráfico surpreendem. Um pássaro como um cancão, por exemplo, é vendido pela pessoa que o captura na mata por R$ 10. O comprador revende em alguma capital brasileira por R$ 300 e, se a ave for exportada, será arrematada na Europa por R$ 7 mil. No Velho Mundo, aliás, uma arara chega a custar R$ 30 mil.
A ousadia dos traficantes surpreende mais que os números. Em Salvador, qualquer pessoa pode comprar um beija-flor por R$ 10. Basta ir à Feira do Rolo, localizada às margens da Avenida Suburbana. A denúncia é feita pela ambientalista Telma Lobão, que trabalha há 12 anos combatendo o tráfico de animais na capital baiana. Segundo Telma, os feirantes dopam os animais com cachaça ou gardenal – remédio usado por epilépticos – para que eles fiquem mansos e sejam facilmente levados pelo cliente. Os bichos vendidos na feira são capturados, principalmente, no sertão e no Recôncavo Baiano.
– É de doer o coração – lamenta Telma. – O pior é que ninguém faz nada. Havia uma blitz programada para domingo passado na feira, mas foi cancelada pela PM.
O promotor do Ministério Público do Estado Eron Santana confirma que a existência de tráfico de animais na feira é de conhecimento das autoridades baianas, mas ressalta que não cabe ao MP fiscalizar. Apenas apurar denúncias. Segundo Santana, o órgão já fez dois pedidos de operação à Polícia Militar, mas nunca obteve resposta.
Para Telma, além da falta de fiscalização, o problema do tráfico de animais no Nordeste é cultural. Ela acredita que, pelo menos, 90% dos bichos da feira são enviados para nordestinos que moram em outros estados.
Legislação branda
O coordenador da Divisão de Fiscalização de Fauna do Ibama, Antônio Ganme, também acredita que a sociedade é muito tolerante com o tráfico de animais e insiste em achar um absurdo o Ibama confiscar o papagaio que está com uma família há anos. O problema, segundo o coordenador, é que existe uma continha que o juiz que libera o animal apreendido não sabe fazer: um papagaio domesticado deixa de reproduzir quatro vezes ao ano por pelo menos 50 anos. Esse mesmo papagaio deixa de carregar sementes, contribuindo para a devastação das florestas como a Amazônia e a Mata Atlântica e, por não reproduzir, existe uma piora genética da espécie. A conta deve começar com os nove animais que morrem para cada dez transportados.
De acordo com Antônio, a legislação ambiental brasileira é tão permissiva que não existe a definição legal de tráfico de animais. O infrator pode ser preso por vender ou capturar, mas não é enquadrado como traficante. A probabilidade de ficar na prisão, no entanto, é mínima, uma vez que a Lei 9.099/95 tipifica esse crime como de menor potencial ofensivo. A pena é de seis meses a um ano de detenção, que, geralmente, é substituída por pagamentos de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários. A multa administrativa é de R$ 500 a R$ 2 mil, dependendo da raridade da espécie. No ano passado, o Ibama aplicou R$ 13 milhões em multas e 1.376 autos de infração.
– Para reforçar a fiscalização nos aeroportos, seriam necessários R$ 120 mil para construir cada posto – explica Antônio. – E, pelo menos, oito funcionários. O problema é que o Ibama tem 1.100 fiscais mas, na prática, apenas 300 efetivamente na fiscalização e cobrindo todo o território brasileiro. Hoje, só temos inspeções 24 horas por dia nos aeroportos de Belém e Fortaleza. Em Manaus, no horário comercial.
http://jbonline.terra.com.br/extra/2008/12/06/e06129550.html